Sentada na sala de espera do dentista, observo pés. Odeio pés, a propósito, mas os acho curiosos. Acho que revelam tanto sobre quem os possui. Nossos pés nos traem. A moça: braços cruzados, rosto inclinado para a televisão, pernas cruzadas e pés inquietos. Ela os levantava, mexia os dedos, depois balançava o que estava suspenso pela perna cruzada e, dependendo da cena da novela, os movimentos variavam. Enquanto o homem esticava e encolhia as pernas vezenquando, com os pés quietos. Me dava a impressão de tranquilidade, ou, talvez como eu, de falta de vontade de sair por aí. A moça, pobre, traida pelos pés que me mostravam a ansiedade que ela tinha de sair correndo e se mexer. Ou de resolver algo que passava pela cabeça dela enquanto as cenas da novela aconteciam. Aí fiquei pensando nesse negócio de que nosso corpo fala por nós. E é tão verdade, né?! A gente se mostra através dele ou, tentando nos esconder, ele conta aos outros quem somos mesmo. Por mais que a gente controle, algo escapa por algum lugar. Eu, hoje, sou a moça de pés parados da sala de espera do dentista. E quem me vir, me descobrirá a observar. Pessoas me intrigam, me surpreendem e, por vezes, na maioria delas, me confirmam o quão previsíveis somos nós. Minha ansiedade não escapa mais pelos pés, não escapa. Minha não ansiedade de vida me foge pelos olhos. Ai como meus pés se mexeriam caso alguém me olhasse nos olhos. Faria um sapateado se isso fosse defender do olhar alheio o que aqui eu escondo. Dá trabalho! E exige muito sorriso.
Tenho isso. Esse negócio de olhar o mundo e não ver nele algo óbvio. As obviedades, aliás, me contam coisas inimagináveis. Era só um pé. Um pé que a moça balançava por frio, por mania, por o que quer que fosse. Aí eu, essa crítica por vocação, fico analisando as pobres das ansiedades que ela tentou segurar com os braços e pernas cruzadas. Sou chata, não digo? Sei que sou. Olhar o mundo inteiro partindo do princípio de que nada é óbvio, me cansa, mas é minha natureza. Penso tudo diferente, pelo simples prazer da diferença. "É? Por quê? Será? Quem disse?" - minha cabeça é o inferno, comporte-se mal e venha habitá-la após a vida. Não pára e os pensamentos se atropelam. Melhor era ter pés dançantes...
0 comentários:
Postar um comentário