Fui privilegiada pela distância e não te vi ir embora. O que, por outro lado, foi penoso. Não consegui pisar aqui por bastante tempo. Vir pra cá e encarar que você não estaria debruçada na mureta, balançando suas pernas num exercício costumeiro, me esperando chegar com aqueles olhinhos de amor? Melhor tentar acreditar que você ainda estava aqui, preparando meu bolo de cenoura com aquela cobertura deliciosa de chocolate que me ensinou a fazer. Quando finalmente consegui pisar em Amparo, demorei a passar na tua rua, que agora tem a mão invertida. Ah, vó, se você visse essa cidade hoje, não se sabe mais onde é permitido virar, subir, descer. Tá tudo tão diferente. Quando eu, finalmente, consegui passar por lá, juro que olhei a mureta, te procurando. A casa nem pertence mais à família, mas pertence para sempre às minhas memórias. Era lá que eu abria a portinha da tua estante, botava meu café com leite e assistia à novela com você. As coisas não eram assim havia um tempo. Eu tinha ido pra São Paulo e já te via menos. Depois Brasília, e o menos virou quase nada. Mas não viver mais aquelas situações porque eu morava longe, era totalmente diferente de não viver mais aquelas situações porque você não está mais aqui.
Sinto tanta saudade, sabia? Sinto um aperto imenso no peito por não poder te dizer que me arrependo de ter aprontado tanto, feito tantas travessuras. Das quais você sabia, e mesmo assim me amou. Sinto uma culpa imensa por não ter te dito o quanto te amo. Sinto tanto, vó, TANTO não ter percebido a falta que você me fazia quando ainda podia ir te abraçar. Me acho uma estúpida sempre que me lembro de quantas vezes você me pediu pra te chamar de vovó, porque achava bonito, e eu nunca chamei. Você passou tão levemente pela vida, mas me ensinou tanto sobre amor, vó, que nem imagina.
Queria te contar tanta coisa. Eu cresci, sabe? Como pessoa mesmo. Acho que você iria se orgulhar de algumas coisas. Adoro poesia, sabia? Até hoje não posso ler nenhuma das que você escreveu que choro horrores. Algumas músicas de que gosto muito, minha mãe vem me dizer que você amava. Ah, você brigaria comigo pelos meus palavrões, vó. Tenho certeza. Eu falo bastante, sabe? Não herdei sua delicadeza, infelizmente. Dizem as más línguas que herdei sua escrita, mas não sabem o que dizem. Você escrevia tão bonito, vó. E eu, na minha meninice, nem podia entender. Hoje me emociono. Trago comigo a poesia que me escreveu quando nasci, mostro às pessoas com orgulho. Tenho TANTO orgulho de você. Não consegui ir ao cemitério até hoje, e peço que me perdoe se isso lhe for importante. Mas tenho algumas limitações e acho que não conseguiria... não conseguiria.
Dia 06 de agosto de 2006... 3 anos de saudade. Na época eu não pude chorar. Não consegui chorar por 7 longos meses, me lembro bem de ter contado. Hoje eu converso com Deus, vó. Peço para que você esteja bem e que possa respirar direitinho. Eu ainda detesto cigarros, e minha mãe ainda fuma, você pode acreditar? E, se as coisas são como realmente acreditamos, peço que você possa sentir o quanto eu te amo e o tamanho da falta que você me faz. Você se orgulharia, também, de ver a Si e a minha mãe. Acho que se orgulha. São mulheres fortes, inteligentes, independentes e lindas. Nós sempre falamos de você. Você... outra coisa que sempre me foi proibida: te chamar de senhora. Minha mãe herdou isso, sabia? É igualzinha! Tem muito de você com a gente, mas eu, ainda na minha pequenice e egoísmo, queria ter você com a gente. O natal foi tão bonito. TÃO bonito. Dessas (poucas) coisas tão bonitas, que não sobra uma pessoa sem lágrimas nos olhos, entende? Vocês foram homenageadas, vocês quatro. A sua música era "Eu sei que vou te amar". Interessante, não é mesmo? Agora chega, vó. Eu não consigo mais. Por vezes penso em você com alegria, por outras a saudade chega rasgando e aí não há quem me segure. Choro mesmo! Muito!
Para terminar, vou publicar a sua despedida. Para que meus amigos, que não puderam conhecê-la, possam entender essa minha declaração de amor.
Despedida
Voa minha alma! Voa além dos mares,
singrando as altitudes silenciosas...
Que eu respire, nos ares, outros ares
desafogando as ânsias tormentosas.
E, assim, deixando a Terra e seus cantares,
hei de cantar ao som das numerosas
estrelas - dançarinas dos luares,
na empolgação das noites ondulosas.
Que eu leve a senha do caminho exato
da minha vida, do que fiz de fato
e o meu perfil da sonhadora idade.
E fique para os pósteros que amei
a ternura, esse amor que divulguei
à sombra silenciosa da saudade!
"O homem só será forte
quando, diante da dor,
enfrentar a dor da morte
cantando versos de amor."
AMO VOCÊ, vovó. Para todo o sempre, amém.
1 comentários:
Ma, emocionei. Muito mesmo. Emocionei por ler, saídas do seu coração, palavras de uma saudade que também é minha. Imensa...
Meu beijo, menina linda!!
Te amo,
Mimi
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