E ela se lembrava daquele domingo. No qual, inclusive, não aconteceu nada parecido com aquelas tardes. Embora tenha acontecido mais, aconteceu menos. Parecia estar presa, não conseguia agir. Ele deve se lembrar de que ela travou, mas nunca lhe contou porquê. Naquele dia tudo podia ter sido perfeito, e foi. Exceto pela certeza que ela teve de que eles dois nunca mais... seriam eles dois. Nada drástico, nada que tenham feito. É que todas as oportunidades de serem um casal estavam em suas mãos. Inclusive duas chaves do mesmo quarto de hotel. Foi algo mais sutil, o tipo de coisa que acontece no meio do seu dia de forma tão banal que, se você não prestar muita atenção, não consegue perceber. Porque não é visível. Como um folha que cai da árvore diretamente para um lago e provoca ondulações. Você não se dá conta da realização de seu movimento se não for um bom observador. Os dois não andaram de mãos dadas pelas ruas. Mesmo que em outra cidade, sem riscos de encontrar amigos, sem nada para esconder. Eles agiram como... sempre. Lado a lado, sem mãos dadas, sem abraços, beijos públicos. Se bem que ele tentou... mas ela não sabe agir (com ele) como um casal, não aprendeu. Não havia sinal de romance. Romance parecia não ser permitido. E, embora tenha sido perfeito, ela sentia que ele tentava ser perfeito. Não é algo natural, sabe? Os dois dando certo não é natural. A segunda-feira poderia ter sido feliz. Deveria ter sido feliz. Mas o coração lhe apertava o peito, era a tal certeza avisando para ela não esperar notícias. Que, teimosa como sempre, esperou. Esperou, esperou e... o resto da história já é conhecido. Até aqui.
Até o momento em que ela enlouquece de dor e não aguenta mais a situação. Repito: eles darem certo não é algo natural. Sempre gostaram da saudade, da dor no peito. Na verdade ele sempre gostou, lhe impôs e ela teve de se acostumar com isso. Se acostumou tanto que agora não sabe sair. Ele dita as regras, ela respeita o jogo. Já cansou de se perguntar por que diabos não consegue simplesmente superar esta situação como fez com todas as outras. A resposta vem num outro domingo: I don't love you anymore. Goodbye. Cena de filme. A mais real das cenas dos filmes. Acho que é assim que acaba. Mas ela não consegue dizer, tampouco permanecer assim. Essa amizade não pode mais existir. Porque eles não são amigos desde o dia em que ele resolveu mudar as coisas. E o que fazer agora? A porta aberta deixa o vento entrar e fazer bagunça. Por outro lado, fechar a porta impossibilita a mais forte história de amor de ser vista. O ideal era mesmo que não fosse vista. Mas o máximo que ela consegue é deixá-la entreaberta.
O que eu faria em seu lugar? Acho que o mesmo. Errar é humano e permanecer no erro é... humano. Até o coração dizer que chega, a gente vai deixando uma fresta na porta. Por onde, se não podemos passar, podemos nos ver. E por onde, também, transita a velha e costumeira saudade.
"Tenho por princípio nunca fechar portas. Mas como mantê-las abertas o tempo todo, se em certos dias o vento quer derrubar tudo?"
Sudoeste (Adriana Calcanhotto)
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